quinta-feira, 12 de julho de 2012

Terra de Ursos - Yosemite


Yosemite significa Terra de Ursos Assassinos no idioma dos índios ahwahneechees, os primeiros habitantes do vale californiano que impregna o imaginário ecológico norte-americano. Hoje, o famoso parque nacional sofre com uma nova ameaça selvagem: a poluição


Texto e fotos por Frederico Mendes e Lílian Granado
Fotos por Frederico Mendes e Lílian Granado
A imponência do vale de Yosemite: à esquerda, o paredão da montanha El Capitan; ao fundo, o pico Half Dome; à direita, a maior catarata da América do Norte, de 739 metros
A cada ano, 4 milhões de turistas visitam o Parque Nacional de Yosemite, nas montanhas da Serra Nevada, no centro-leste da Califórnia, a terra das sequoias, as maiores e mais antigas criaturas vivas do planeta. Patrimônio da Unesco desde 1984 e totem do imaginário norte-americano, a reserva dos penhascos esculpidos pelo Rio Merced (misericórdia, em espanhol) está literalmente pedindo misericórdia diante das ameaças que sofre. 

Escalar a parede sudoeste de El Capitan é o sonho de todo alpinista. Desde 1974, 24 morreram tentando. No detalhe, um dos 500 ursos-negros do parque
Fotos por Frederico Mendes e Lílian Granado
Tudo em Yosemite é especial, a começar pelo fato de sua criação pelo presidente Abraham Lincoln, em 1864, ter inspirado o surgimento do "conceito" de parque nacional - aquela área com características especiais, dignas de preservação cultural e ambiental. A reserva, com pouco mais de 3 mil quilômetros quadrados, é habitat de 250 espécies de vertebrados, 226 tipos de aves, 7 mil espécies de flora e 22 categorias de serpentes. Mas o mais extraordinário é a sua beleza cênica. O vale central, com 13 km de comprimento por 2 de largura, é rodeado por majestosas formações geológicas de granito, cavadas há 3 milhões de anos pelo Rio Merced.
Fotos por Frederico Mendes e Lílian Granado
Galen Clark (1814- 1910) descobriu o parque e suas sequoias. Foi guarda-florestal por 24 anos
Apesar de protegido, o parque sofre ameaças invisíveis, porém reais e nada sutis, da poluição trazida do exterior pelos ventos e chuvas. A contaminação também chega com os pesticidas despejados pelos aviões que sobrevoam as plantações no sopé da serra. O sapo-de-pata-amarela, outrora típico, foi oficialmente extinto. O aquecimento global está derretendo as geleiras das montanhas, cujo desaparecimento ocorrerá em 50 anos se o degelo continuar no ritmo atual. A neve é crucial para abastecer as nascentes dos riachos e as cachoeiras da região, que desaparecem durante o verão e voltam a "funcionar" no outono. A mais conhecida delas é a Catarata Yosemite, com 739 metros de queda, a maior da América do Norte e a sétima maior do mundo.

Não deixe nada além de pegadas
Para um brasileiro que conhece a beleza selvagem das florestas amazônicas, a natureza de Yosemite é bem mais dócil. São milhares de lagos cristalinos, 2,5 mil km de rios e 1,3 mil km de trilhas para percorrer a pé, cachoeiras e montanhas difíceis de escalar como El Capitan e Half Dome (Meia Abóbada), cuja iconografia está para o imaginário norte-americano como o Pão de Açúcar está para o Brasil.
De São Francisco até o vale são 320 km e quatro horas de carro. Em 1900, quando o turismo interno começou a se popularizar, os 5 mil visitantes anuais levavam dois dias para chegar ao parque, de trem ou em diligências. Desde então, assim como o Grand Canyon, Yosemite é o programa familiar essencial da identidade norte-americana.
Fotos por Frederico Mendes e Lílian Granado
Nathan Stein, 48 anos, trouxe a família para confirmar uma lembrança. "Estive aqui menino, no verão de 1973, com meu pai recémseparado. Saímos de Chicago de carro, para duas semanas de aventuras e deslumbramento. Nunca tínhamos ficado tanto tempo sozinhos e, nessa viagem, descobri Yosemite com meu pai. Vimos coiotes, pássaros, flores, borboletas e ainda tenho uma cicatriz no joelho de uma queda no riacho. Meu pai faleceu no fim do ano passado. Eu trouxe suas cinzas e espalhei pelo bosque. Ele aprovaria esta última morada, num dos lugares mais bonitos da Terra."

Fotos por Frederico Mendes e Lílian Granado

Fotos por Frederico Mendes e Lílian GranadoOutra das 21 quedasd'água do parque e um dos seus 3,2 mil lagos cristalinos. No detalhe, um coiote cruza a estrada. Os lobos já foram extintos na Califórnia

Fotos por Frederico Mendes e Lílian Granado
Não subestime as sequoias 
Apesar do clichê, o parque é, sem dúvida, uma celebração à vida. Como não se deslumbrar diante das montanhas e dos penhascos, ou diante de uma floresta de sequoias? Os gigantes com dezenas de metros de altura e circunferência de 12 metros vivem mais de 3 mil anos. São tão robustas que aguentam a escavação de um túnel no tronco para a passagem de carros, prática felizmente abandonada há muitos anos.
"A mais velha se chama Grizzly, tem entre 2 mil e 3 mil anos e fica no sul do parque, no Bosque das Mariposas. Mede 92,7 metros de altura a partir da base e tem 963 metros cúbicos de volume", diz Kari Hobb, 26 anos, guardaflorestal ruiva como uma sequoia, assessora de relações públicas de Yosemite. "Outra sequoia famosa é a Washington, na mesma área, mais larga, com 1.018 m³ de volume."
A sobrevivência das sequoias depende de uma ironia da natureza. Elas só se reproduzem com auxílio de incêndios, o maior perigo para uma floresta. O calor do fogo faz as pinhas se soltar das copas e cair no chão, onde germinam. A casca grossa que protege as árvores vermelhas chega a 60 centímetros de espessura e é resistente ao fogo. Ao desmatarem as copas, os incêndios possibilitam aos raios solares alcançar os galhos, completando um estranho ciclo de vida. A sequoia é como a mitológica ave fênix, que renasce das cinzas.
A árvore absorve 100 m³ de água diariamente, puxados da terra e bombeados tronco acima até a folhagem, por meio de um sistema hidráulico natural mais sofisticado do que qualquer um já inventado pelo homem. A natureza tem razões que o homem desconhece, mas faz questão de ignorar ou destruir.


No Parque de Yellowstone, que se estende pelos Estados de Wyoming e Montana (célebre pelo desenho animado do urso Zé Colmeia e o amigo Catatau), havia ursos-pardos (Ursus arctos horribilis), perigosos e ferozes, que atacavam pessoas, seja por medo seja para proteger filhotes ou comida. Estão extintos desde 1914. Mas naquele começo de noite em Yosemite, para Peter Hiller, frente a frente com a fera, todos os ursos eram pardos.

Os incêndios induzidos pelos bombeiros fazem cair das sequoias as pinhas (no detalhe) que geram novas ávores.
Kari ensina como lidar com os amigos ursos."Não pense em brigar, porque eles são mais fortes. Não corra, porque eles são mais rápidos e sobem nas árvores com facilidade. Se algum o abordar, agite bastante os braços, tente ficar maior do que é e, em último caso, jogue pedras. Não para machucar, mas para assustar."
Caçar em Yosemite é crime federal. A única morte por ataque animal ocorreu em 1970, quando um veado chifrou um turista. "O que realmente provoca mortes em Yosemite é tentar escalar as íngremes paredes das montanhas: 24 morreram desde 1974", diz Kari Hobbs. Mesmo assim, as encostas estão repletas de alpinistas, que podem ser vistos por binóculos ou teleobjetivas, encarando desafios mil metros acima do vale.
Ao visitar Yosemite em 1871, o filósofo Ralph Waldo Emerson escreveu: "A grandeza destas montanhas, talvez inigualáveis no mundo, aqui se desnuda tal como atletas em exibição, mostrando sua altura e orgulho nas paredes de granito, vestidas com o boné da liberdade e a neve sobre as cabeças." Um ano antes, ao conhecer Yosemite, o naturalista escocês-americano John Muir deixou um depoimento que parece manifesto ecológico: "Milhares de pessoas urbanas, cansadas e nervosas com a agitação da civilização, estão começando a descobrir que visitar uma montanha é como voltar para casa. As florestas encarnam necessidades: as montanhas, os parques e as reservas são úteis não apenas como produtoras de madeira ou de água, mas como fontes da vida."
Fotos por Frederico Mendes e Lílian Granado
O sonho de turismo ecológico americano. Muitos chegam ao parque de bicicleta, a pé ou a cavalo

Fonte: revista Planeta, 476, 2012

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